terça-feira, 5 de junho de 2012

Matemática

Inoxidáveis,

Creio que todos nós, privilegiados que fomos por aprender matemática com professores como Waldyr Bush, Anibal Nunes Pires e João Batista Rodrigues,  ficamos estarrecidos ao ler que apenas 11% dos alunos do estudo médio absorvem seu conteúdo neste ciclo. Este é o Brasil de hoje.
Porém, ao ler a entrevista de Marcelo Viana,  vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, ele   diagnostica o problema: falta formação aos professores. O engraçado é que dois dos  professores que tivemos eram... advogados! Além disto, não se pode afirmar, por exemplo, que didática era o forte do Prof. Bush;  "Moço, na minha aula só se mastiga matemática". Por outro lado, respeito não faltava. Já o Prof. Anibal, dos maiores liberais que conheci, usava da sua tolerância e bondade, além da infinita paciência, para   deixar registrado em nossas mentes conceitos abstratos que eram traduzidos para o dia a dia com suas deliciosas histórias. Mais próximo das nossas idades, e até por isto dos poucos chamados pelo apelido, igualmente inesquecíveis são os ensinamentos do Bolinha, tão fortemente incutidos que até hoje lembro palavra por palavra alguns fundamentos de Geometria, como, por exemplo, "se a reta é de perfil, esta implícito o rebatimento". E duvido, quem ler este artigo, não se lembrar. Outros tempos...
Mas fico preocupado com o que segue, que passo às suas considerações:


Entrevista: Marcelo Viana

Por uma matemática moderna – e mais concreta

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática defende mudanças no ensino da disciplina, o que pode aproximar estudantes, números e inovação

Nathalia Goulart
Criança aprende matemática na sala de aula
Criança aprende matemática na sala de aula (Getty Images)
O Brasil acumula alguns tristes índices de educação, especialmente na área de matemática. Os números provam isso: apenas 11% dos alunos do ensino médio concluem esse ciclo sabendo o que deveriam, de acordo com dados do movimento Todos Pela Educação. A mais recente medição apontou que o problema começa nas séries iniciais. Segundo a Prova ABC, ao fim do terceiro ano do ensino fundamental, metade das crianças não domina operações  simples de soma e subtração. No Pisa, avaliação internacional aplicada pela OCDE, os alunos brasileiros estão 241 pontos atrás dos chineses, líderes do ranking, em matemática. Para Marcelo Viana, vice-presidente da Sociedade Brasileira da Matemática (SBM), o problema é provocado principalmente pela distância – no tempo e no espaço – entre a teoria abstrata que chega à sala de aula e o mundo concreto que se vê fora da escola. "No processo de transmissão desse conhecimento pela escola, os professores optam por apresentar a disciplina de maneira abstrata, ao invés de conectá-la à realidade", diz Viana. Atualizar a matemática das escolas e aproximá-la da realidade não implica simplificação, ressalva o matemático. Basta encontrar a maneira correta de fazê-lo. "É possível explicar tudo isso a qualquer estudante." Viana conversou com nossa reportagem sobre o desafio da matemática para a série de reportagens de VEJA sobre o impacto da educação e do ensino das ciências no desenvolvimento do país. Confira a seguir a entrevista.
Por que ensinar matemática é um desafio tão grande? A matemática é um conjunto de conhecimentos abstratos que encontram uma correspondência com o mundo concreto. Porém, no processo de transmissão desse conhecimento pela escola, os professores optam por apresentar a disciplina de maneira abstrata, ao invés de conectá-la à realidade. O modo correto de fazer com que o estudante aprecie esse conhecimento não é começar pela teoria, mas, sim, relacionando o ensinamento com o cotidiano. Só então, chega-se à abstração, que é natural da matemática.
Alguns especialistas dizem essa dificuldade de aproximar teoria e prática é devida ao fato de o ensino da matemática estar parado no tempo. O senhor concorda? Esse é um dos fatores. Leva-se muito tempo para incorporar as inovações da matemática nos currículos escolares. Isso é, na verdade, um problema antigo. No início do século XX, houve um esforço muito grande para que fossem incorporadas as inovações do século XIX. Agora, os especialistas estão empenhados em esforço similar, ou seja, de incorporar nos currículos do século XXI as transformações do século XX. As tecnologias, os novos programas, a internet – tudo isso transformou a matemática. O Google só foi possível com a matemática do século XX.
O senhor pode dar exemplos das transformações do século XX que precisam ser incorporadas? Sim. A matemática discreta, por exemplo, por meio da qual medimos objetos muito grandes mas finitos e que é muito utilizada na ciência da computação. Outro ponto é a teoria do caos, que tem inúmeras aplicações para resolver problemas de grande complexidade em uma velocidade grande. Existem também os algoritmos, que são regras criadas para resolver problemas complexos, como se quiséssemos organizar por ordem alfabética os nomes dos 200 milhões de brasileiros.
É possível ensinar esse tipo de conteúdo para alunos da educação básica? Com certeza. Algumas áreas são técnicas e exigem pré-requisitos elaborados. Mas existem muitos aspectos elementares desses conteúdos – digo elementares não por serem fáceis, mas por exigirem poucos pré-requisitos. É possível explicar tudo isso a qualquer estudante.
Para isso é preciso professores capacitados, correto? Sim. A dificuldade atualmente é a capacitação do professor, que é hoje um dos grandes gargalos da educação. A capacitação inicial e continuada desse profissional ainda é muito frágil.
Como fica nosso futuro científico se falharmos na missão de aproximar a matemática das crianças e dos jovens? O Brasil conseguiu nas últimas décadas a façanha de construir um sistema científico sem ter uma educação razoável. Nossa ciência atingiu um patamar louvável para um país sem estrutura científica. Mas não é possível seguir dessa maneira. Precisamos dar um salto quantitativo e qualitativo para nos aproximar dos países mais desenvolvidos do mundo. A única forma de conseguir isso é universalizando o acesso à ciência, permitindo que ela chegue a todos e que todos possam se apaixonar e se dedicar a ela.
Como fazer isso? É preciso inclusão. Temos boas escolas nos país. Nossos melhores alunos são comparáveis aos melhores alunos dos melhores países. Em competições internacionais, ganhamos diversas medalhas em matemática, física e robótica, por exemplo. O problema é que nosso nível médio é ruim. Nossos alunos medianos são ruins. É esse o grande problema da educação.
O país está disposto a fazer esse investimento em ciência? É o futuro do país que está em jogo. Se não investirmos nisso agora, não investiremos nunca mais. Está provado que é possível fazer essa revolução investindo em educação e democratização científica. A Noruega era um país em desenvolvimento até pouco tempo atrás. Graças ao investimento em educação, é uma grande nação. A Finlândia era um país em que os moradores migravam porque não havia oportunidade. Hoje, é referência em diversos campos. O Japão, idem. A China está se transformando e está investindo em ciência. Ela, um país continental como o nosso, mostra que é possível fazer isso em grande escala. Todos esses países se transformaram porque investiram.

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